Sinopse de "Aika especial 2 – Quando nasce uma amizade"
Todos sabem que Kurikara, Riko e Iruka são inseparáveis. A ligação entre os três é tamanha que não é preciso palavras para saberem o que estão pensando, basta apenas uma troca de olhares. Porém, antes dessa forte amizade surgir, havia uma série de tensões que os fez inimigos por meses: diferenças entre suas raças, desconfianças, traumas… que evento teria então despertado o laço que hoje une o trio de Gattai em sua mais nova aventura?
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Especial para os leitores da Saga Aika que leram o livro 1: Aika – A canção dos Cinco com três ilustrações inéditas. Não aconselhável para aqueles que não o leram, pois levarão spoilers!
Este especial é na verdade uma sequência deletada do primeiro livro devido ao seu tamanho extenso e se passaria antes da viagem de Aika, Kurikara, Riko, Iruka e Tsubomi de volta a Nação Kibou. Uma breve escapada do pessoal e que introduziria os leitores às revelações do livro 2 da saga.
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– Eu exijo uma explicação! Como um
dos maiores magos dos filhos-puros não viu uma coisa dessas?
– Príncipe, por favor...
– Não eram vocês que se diziam
superiores em seus poderes em relação ao meu povo? E agora, como ficaremos?
– E o que farão com aquilo? –
apontou Riko, sem tirar seu bastão da mão. Tôzen deu um longo suspiro e
voltou-se para onde ela apontava, um andar abaixo onde uma sala grande e
arredondada era iluminada pela luz amarelada dos candelabros. As vozes dos
sacerdotes ecoavam pelas paredes como se estivessem arranhando-a através de seu
cântico lento, uma oração de purificação diferenciada ao rapaz acorrentado ao
chão.
Estavam no templo de Tamaryuu, na
câmara de purificação, onde o Guardião Kurikara foi preso às pressas, com
algemas das asas ao pescoço, envolto da energia de todos os magos disponíveis. Até
mesmo Riko, que mal tinha capacidade de ver magia, via a aura arroxeada que
circulava por eles. Magos e sacerdotes revezavam-se para manter a oração que
mantinha o demônio alojado nas costas do rapaz quieto, ora erguendo cajados
luminosos, ora lançando sobre o acorrentado sal abençoado. Contudo, Kurikara
não se movia, apesar de manter os olhos abertos, vidrados em algum ponto que
desconheciam. Sabiam que respirava pelo sutil movimento das asas e a barriga
exposta, onde via-se uma cicatriz recente de uma perfuração por espada. A pele
morena ferida pelas próprias chamas e a própria espada começavam a cicatrizar
aos poucos; podiam ver a pele se reconstruindo, embora mais rápido do que
qualquer pessoa comum. Apesar de tudo, o que mais incomodava nele não era sua
maldição recém-descoberta. Era aquele olhar estático, sem qualquer brilho ou
lágrimas, como um espelho que refletia um espírito perdido.
Tôzen não respondeu a Riko e Iruka em
um primeiro momento, escolhendo as palavras. O que dissesse poderia fazê-los
desistir da missão e espalhar a notícia de que o Guardião de Suzaku resgatado e
“purificado de seu sangue impuro de Fênix Negra” estava possuído, podendo tornar-se
um assassino indestrutível. Talvez, a melhor forma de manter aqueles dois
guerreiros ao seu lado fosse expondo a real situação: a de que nem ele, nem o
rei, sabiam ao certo o que fazer.
– Demônios parasitas se ocultam
muito bem. Sempre foi difícil detectá-los…
– Explique de forma com que eu possa
entender – disse Riko, aproximando-se de olhos semicerrados. Tôzen analisou os
cortes em seu rosto, as feridas em seu corpo robusto e os pontos queimados em
sua roupa. Se nem a maior assassina de Fênix Negra conseguiu detê-lo sozinha, o
que esperar de soldados comuns? Precisava convencer os dois juntos.
– O Guardião de Suzaku está possuído
por uma maldição parasita. Caracteriza-se por um demônio que se aloja na coluna
ou estômago de uma pessoa, controlando seus movimentos e vontades a fim de
causar destruição e sofrimento. Alguns se alimentam da carne apodrecendo pela
energia das trevas, outros, como a dele, se alimentam de sentimentos de dor e
desespero.
– O que significa que ele não queria
nos matar – pontuou Iruka.
– O que nos garante isso? – insistiu
Riko. – E se esse não era o real objetivo dele oculto por uma desculpa de
missão pelo bem de Gattai?
– O que nos garante? Ora, essa! Ele
tentou nos avisar de que tinha algo errado! O tempo todo, Kurikara estava
lutando contra... Contra essa coisa! Ou você acha que foi um acidente a espada
dele que estava apontada para seu pescoço ir de volta ao estômago dele? Ou você
acha que foi coincidência as chamas que ele mandou direto para mim serem
desviadas para aquela árvore? E tudo o que passamos até agora?
Riko não o respondeu e cerrou os
punhos, desviando os olhos do príncipe para o Guardião no chão metros abaixo
dele.
– E ele vai voltar ao normal?
– Sim, Pétala Branca. A purificação
pode levar um dia, talvez dois, mas podemos despertar sua consciência.
– E como vamos saber se ele não vai
nos atacar?
– Recuperando a consciência, o
demônio irá se calar perante o poder de Suzaku. Basta que ele mantenha o
controle sobre os poderes divinos, e de preferência – encarou Iruka como se
fosse um avô pronto para colocar o neto de castigo– não seja afetado por álcool
ou outros entorpecentes.
– Não me olhe assim! Estávamos
comemorando nosso primeiro Orbe! Como eu ia saber que ele estava possuído e o
demônio iria despertar quando ele ficasse bêbado? Aliás, como eu ia saber que
ele ia cair com uma caneca de Gota Assassina? Eu preciso de dez para ficar
tonto!
Riko girou os olhos e bufou:
– Mas o que pode impedir esse tal
demônio de possuí-lo enquanto Kurikara dorme? Ou em um desmaio? Nós tivemos
sorte em... em conseguir derrubá-lo e trazer a vocês a tempo!
– Não posso dar-lhes garantias,
contudo, enquanto ele estiver com o poder de Suzaku, Kurikara conseguirá ainda
lutar contra a maldição. Coisa que nenhum outro possuído pôde por mais que
alguns minutos. Além disso, ele gosta de vocês, preferiu ferir-se a feri-los.
Isso pode bastar...
Iruka ignorou o rosnado de
descrédito de Riko e suspirou.
– Agora, todos os depoimentos que
pegamos fazem sentido!
– Depoimentos? – perguntou o mago,
coçando abarba branca.
– Encontramos pessoas que diziam que
o Fênix Negra que os atacou era antes um “forasteiro corcunda” gentil, que
fazia pequenos serviços para se sustentar e dizia ser um soldado cansado de
lutar. Um outro sobrevivente da vila disse ainda que ele foi feito aprendiz do
ferreiro e passou a viver com as pessoas, morando em um casebre alugado perto
do bosque. Eles não acreditaram num primeiro momento que era um Fênix Negra
disfarçado, sequer um perigo. Ele viveu entre filhos puros e, da noite para o
dia, destruiu quase toda a vila!
– Alguém o amaldiçoou então, por
isso que ele dizia que não se lembrava daquele lugar – disse Tôzen. – Curioso.
Pode ter sido uma punição por ter escolhido os filhos puros ao invés dos Fênix
Negra...
Iruka viu Riko estalar os lábios.
– E essa coisa tem cura? –
perguntou, de braços cruzados.
– Ô mulher ignorante! – esbravejou
Iruka. – Isso não é uma doença, é uma maldição!
– Que se dane o nome! Só quero saber
se dá para remover!
Viram Tôzen fechar os olhos e soprar
o ar. Parecia-lhes mais cansado e velho do que jamais o tinham visto.
– Infelizmente, nenhum amaldiçoado
sobreviveu às tentativas de remoção da maldição. Contudo, nunca encontrou-se
algum com poderes divinos. Precisaria reunir uma grande equipe para tentar
removê-la e impedir que o demônio destruísse sua presa…Mas não podemos arriscar
a vida do único que pode reunir os Orbes e acalmar a natureza de Gattai.
– Mesmo que isso custe as nossas.
Iruka engoliu seco, temendo que ele
sofresse alguma represália por causa de Riko. Tôzen, no entanto, ignorou-a.
– Podemos acalmá-lo o suficiente
para que Kurikara possa voltar ao normal e não os incomode. Porém, ele ainda
sofrerá seus efeitos. A maldição causa alucinações, dores físicas e uma
tristeza profunda. Faz com que o amaldiçoado anseie pela própria morte revendo
seus maiores traumas. Quando possuído, sua consciência fica aprisionada,
assistindo o corpo destruir o que estiver no caminho, mesmo pessoas queridas. É
como se o verdadeiro Kurikara estivesse preso dentro de algum lugar escuro,
como um armário…
Tôzen e Iruka não perceberam Riko
sobressaltar-se ao ouvi-lo.
– … trancado, ouvindo e sentindo a
destruição diante dele por uma fresta,porém, sem poder pará-lo...
Um soco na parede distraiu o mago e
o príncipe. A guerreira que antes parecia tranquila, embora irritadiça, deu
lugar a uma presença diferente. Tinha os olhos arregalados e a força de seu
soco danificou a pintura dos deuses na parede antiga e sagrada. Por um momento
acreditaram que Riko iria dizer alguma coisa – seja lá o que fosse, ficou presa
entre seus dentes a mostra até dar-lhes as costas, deixando a câmara a passos
pesados. Podiam ver e escutar sua respiração alterada formando nuvens claras com
ar frio.
Iruka relaxou os músculos quando a
viu sair e percebendo Tôzen fazer o mesmo, deu de ombros.
– Ela é bizarra. Às vezes acho que
tenho mais medo dela do que do Guardião possuído...
Fizeram uma pausa antes de Tôzen
tocar o ombro do príncipe, que não tirava os olhos de Kurikara sob a mandala de
Gattai.
– Mestre?
– Tenho um pedido difícil a fazê-lo.
– Já sei... Continuar a missão de
qualquer jeito pelo bem de Gattai...
– Vai além disso. É para quando o
Guardião acordar.
***
Os sacerdotes passaram a madrugada
até tarde do dia seguinte se revezando na purificação de Kurikara, que
permaneceu imóvel por todas as horas, precisando ser cuidado e limpo por eles. Iruka
pedia notícias de tempos em tempos, causando estranhamento. Chegou a ser
questionado por um colega Aquaeternos à paisana porque ele parecia nervoso e
não estava com o estranho Guardião Fênix Negra.
– Eu não sei. Eu não sei por que
estou preocupado, sinceramente – disse-lhe, deixando o colega confuso. – Sabe,
nunca vou entender como os deuses podem permitir certas coisas...
Iruka soube depois, por criada dos
Kibou, que Riko não saia de seu quarto improvisado na ala de visitantes do
Palácio Púrpura desde a noite anterior. A rainha e o rei partiram de manhã a
negócios com senhores das terras vizinhas. Em seu quarto preparado às pressas e
ainda meio bagunçado para um cômodo da realeza, ouviam-se as batidas de granizo
contra a janela reforçada por pedaços de madeira pregados. Mal conseguiram um
Orbe – o do reino do Vento – e o Guardião não tinha condições de usá-lo para
parar aquela mais outra tempestade repentina. O inverno parecia não ter deixado
a nação Kibou, mesmo estando eles no meio da primavera.
Foi através da princesa Inori, serva
do templo de Tamaryuu, que obteve notícias de Kurikara à noite. Ela mordiscava
biscoitos na cozinha real quando se encontraram.
Conversaram aos cochichos e Iruka
viu que a princesa sempre sorridente mostrava-se cansada e com a voz rouca, de
quem havia rezado por horas. Ela olhava para a chama da vela sobre a mesa com
estranha simpatia.
De repente, Riko pediu a Kurikara para “pausar e voltar”, porque o berro de Iruka a impediu de escutar a voz da atriz que dublava Inori.
– Eu odeio esses cortes, me perco
todo! É muito confuso!
– Oras, fique quieto! O som desse
troço já é baixo, com você comentando então, fica impossível ouvir! Volta aí,
Kurikara! – pediu Riko, com impaciência enquanto Kurikara fazia quase
malabarismos com o mouse para tentar fazer a barrinha na tela do computador
recuar, como viu Aika fazendo várias vezes.
– Merda, passei direto…
– Anda logo, antes que a Aika volte!
– Hei, eu ainda estou aprendendo! Só
não sei porque começou neste episódio… pelo que entendi, a série começava do
ponto em que nos encontramos pela primeira vez…
– Eu vou ver se Aika está passando
na rua pela janela. Encolhe essas asas aí para eu passar!
Iruka pediu passagem e Kurikara se
apertou mais, sentado naquela cadeira desconfortável com rodinhas – e pela
segunda vez, uma delas passou por cima de uma pena, fazendo-o gemer. Riko, de
joelhos no chão, aproximou-se mais da mesa do computador e apoiou os braços
perto da caixa de som.
– Acho que achei um… uma lista dos
episódios. Por Suzaku, isso é muito confuso. A Aika vai ficar muito chateada!
– Contanto que consigamos ver alguma
coisa nova, está ótimo – disse Riko.
– Acho que ela está exagerando em
querer esconder nossas próprias vidas de nós! – disse Iruka, voltando. – Quer
dizer, temos o direito de ver o que falam da gente!
– Ela disse que a série mostrava
nossas lembranças mais íntimas – disse Kurikara, retornando do ponto em que
tinha parado e dando outro pause. – Tem certeza de que querem continuar?
– Eu que te pergunto isso – disse
Riko. – Posso ver qualquer coisa, mas vai que eles mostram as torturas da sua
maldição?
– Por Kujira, eu não acredito que
estou vendo a Pétala Branca preocupada com o Guardião… – Kurikara precisou
desviar de um soco dela para Iruka. Tentou não rir em vão, e logo sorriu para
eles.
– Agradeço a preocupação, Riko, mas
estou bem melhor desde que começamos a treinar juntos. E não vou mentir que estou
curioso para saber até onde vai essa “amostra” de nossas lembranças que
fizeram.
– Certo, então, se vamos fazer
besteira, que sejamos presos juntos! – disse Riko, como um moleque pronto para
causar problemas. – Liga logo isso antes que ela volte do mercado.
Assim sendo,
Kurikara pegou no mouse, mexeu e fez a setinha tocar no botão para iniciar o
episódio…
– … o senhor Guardião pareceu reagir
a minha voz – disse Inori – mesmo eu estando distante por ordens de Tôzen. As
asas dele se agitaram um pouco, mas aquele... Aquele olhar de choque não o
deixa. Tôzen me disse que ele não está mais sob o efeito da maldição, mas está
sofrendo, talvez sendo torturado por ela. Ele nem reage e nem tenta se curar,
algumas feridas foram graves. E hoje mandou que soldados de seu grupo seleto e
dois magos mizu-nushi o vigiassem.
– Eles estão temendo um ataque?
– Não… Temem que ele… que ele tire a
própria vida!
– Como assim?
– Encontramos marcas de cortes em
seus pulsos que não cicatrizaram, posicionadas de forma que a hemorragia fosse
forte o suficiente para matar. – Iruka arregalou os olhos e tapou a boca,
voltando-se para a vela acessa. – Vejo que o senhor também não sabia.
– Não… ele sempre andava com panos
ou munhequeiras! Por Kujira, teria o Guardião que recebeu os dons do deus do
amor e da vida ter sido capaz de atentar contra ele mesmo? Ele parece meio
estranho, mas… Merda, eu já não sei de mais nada!
Fizeram uma pausa, onde o silêncio
era interrompido pelo som das rajadas de vento contra as paredes e o crepitar
das chamas dos fornos da cozinha. Viram uma serva entrar e colocar mais lenha e
mexer em umas panelas antes de sair, curvando-se para os dois. Uma música
triste tocava ao fundo, deixando o clima pesado e os três desconfortáveis
diante do computador. Para quebrar o clima, Iruka cochichou de que Inori foi
desenhada mais magra e menos negra, o que os incomodou ao notarem mais
alterações que fizeram em suas histórias e conhecidos.
Foi quando a câmera se deslocou um
pouco, exibindo Riko na penumbra, atrás da porta, ouvindo a conversa dos dois.
Estava de braços cruzados e cara fechada. Iruka escancarou a boca e reclamou,
pois não sabia que Riko estava ouvindo a conversa deles naquele dia.
– Quando foi que o senhor príncipe
deixou de ver o Kurikara como um Fênix Negra malvado?
– Hein? Ah, eu… bom, para ser
sincero, eu continuo achando ele esquisito, mas nunca o achei malvado. Eu
acreditava que deviam ter impuros que fossem… legais, talvez!
– Como um amigo? – sorriu a menina.
– Aí já é demais! – exclamou, até
que pôs os cotovelos na mesa e coçou a barba azulada –, mas foi logo no começo
que percebi que ele não era perigoso. Ou no mínimo não queria nosso mal. Tínhamos
sido emboscados por sabanoges e shozukumos e não conseguimos lutar tão bem,
porque ainda viajávamos com ele tendo as asas acorrentadas…
Uma série de cortes e cenas
intercaladas mostrava os três lutando e fugindo, sendo que Riko e Kurikara eram
quem mais se desentendiam. O Iruka real esbravejou de novo e o Kurikara real
nem tentou voltar às cenas, vendo o quanto aqueles cortes se pareciam com suas
memórias. Até que o episódio mostrou um diálogo entre os três, caminhando por
uma caverna. Riko identificou pegadas de onis e, para surpresa dos outros dois,
Kurikara começou a cobrir as feridas de Iruka com lama às pressas, mesmo com Riko
dizendo que isso irá infeccionar. Ele estava tomando ar no chão, exausto e tonto.
– Temos que impedir que os onis
sintam o cheiro do sangue dele, se não ficarão malucos para pegá-lo!
– Então camufle os dois! Onis gostam
mais de impuros, oras– disse Riko.
– É diferente com aquaeternos! Eles
ficam realmente loucos com o cheiro do sangue fresco deles! Temos que proteger
o príncipe ao máximo. Vou carregá-lo para irmos mais rápido.
Iruka não tinha forças para discutir
e acabou se deixando levar. Riko continuava de olhos arregalados para aquela
cena.
– Como sabe disso, guardião? –
perguntou, tossindo. – Para meu povo, os onis parecem gostar de nós da mesma
forma.
– Meu mestre de magia chamado Daisuke
que descobriu, há cerca de dez anos, quando ele e seu grupo de investigação
sobre criaturas das trevas estavam monitorando uma tribo de onis. Queríamos
entender esse fascínio deles pelos impuros! Eles então disfarçaram seu cheiro e
os espionaram nas montanhas. Descobriram que os onis disputam certas partes do
corpo dos Fênix Negra.
– Isso é ridículo! – disse enquanto
caminhavam às pressas e Riko desfazia suas pegadas.
– É conhecimento, sua ignorante! E o
príncipe precisa saber disso! Daisuke e seu grupo viram que os onis mais fortes
ficam com o coração dos Fênix Negra e os órgãos genitais. Depois disso, viram
as fêmeas disputando na força quem se deitaria com o que comeu as partes.
Acreditamos que eles devam pensar que seja algum afrodisíaco, já que eles
entendem os deuses e suas funções, talvez achem que por sermos ligados a
Suzaku, nossos corpos possam dar alguma vantagem em relação à fertilidade.
– Que nojo – esbravejou Riko, dessa
vez como chibi. O anime mostrou os três por segundos como chibis constrangidos
com aquela informação. Kurikara continuou carregando Iruka, seu rosto mostrando
espanto ao ver que, mesmo não suportando tão bem seu peso, Kurikara ainda queria
levá-lo.
– Mas com os aquaeternos é pior...
Eles capturam os seus irmãos ainda vivos! Meu mestre viu os onis levando dois aquaeternos
que estavam viajando, talvez para servir aos Kibou. Ele viu que eles foram
postos à exposição no meio da tribo e eram perfurados por pequenas armas,
fazendo o sangue deles jorrar por diversas partes do corpo em quantidade mínima
para mantê-lo vivo, e aí os onis se revezavam quase se esmurrando para beber o
sangue dos pobres aquaeternos vertendo!
– Impossível!
– Meu mestre me contou isso com
horror. Ele e seu grupo não puderam ficar parados vendo aqueles dois sofrendo,
sendo mordidos, lambidos, sendo que os onis ainda se preocupavam em
alimentá-los e fechar feridas para que desse para saciar a tribo toda, chamando
outros. E após beberem, eles comemoravam e se descontrolavam, quase como se
estivessem drogados. Daisuke e seu grupo então armaram uma distração com magia
para afastá-los dos aquaeternos, arriscando suas vidas e conseguiram com muito
custo resgatar um deles vivo.
– E o outro?
– Ele já tinha morrido, mas tiraram
no voo seu corpo daquele horror mesmo assim... E Daisuke me contou com pesar
que eles já tinham bebido tanto do sangue do aquaeterno que ele não poderia ser
salvo. Então, meu mestre em pessoa o matou da forma menos dolorosa possível,
colocando-o para dormir com um feitiço e depois matando-o com outro. Foi então
que entendemos que o comportamento doentio dos onis era mais complexo do que
imaginávamos. Eles sabem identificar o que comem, tem estratégias, hierarquias
entre eles. Não são monstros descontrolados ou sem raciocínio. A sede deles
pelo sangue fresco deve ter alguma função oratória. Com essas informações,
nossas tribos procuram se defender melhor deles.
– E o que seu mestre... fez com os
corpos dos meus irmãos?
– Bom, ele não sabia ao certo o que fazer.
Sabemos que filhos puros enterram seus mortos e nós queimamos os nossos. Por
assimilação ele acreditou que vocês fizessem algum ritual ligado a água. Então,
ele e seu grupo velaram-no no mar do leste, que era o mais próximo que podiam
levar. Deixaram que as ondas os levassem e orou por vinte e cinco dias para que
Kujira ignorasse o ritual improvisado e levasse suas almas para Tamaryuu.
– Que ridículo! – disse Riko. – Como
se isso fosse fazer diferença… O príncipe acredita nessa história?
– E porque eu mentiria sobre isso?
– Cale-se, Pétala Branca! – berrou
Iruka. Kurikara quase parou. – Eu acredito em você… seu mestre… ainda está
vivo?
– S-sim, mas ele abandonou nossa
vila há algum tempo, decidindo se tornar um eremita. Fiquei órfão de seu
conhecimento. Mas sei que ele não se importaria se você o levasse para seu
povo! Isso deve fazer com que os seus irmãos intensifiquem suas proteções.
– Farei isso. Quando saímos dessa,
voltaremos à nação Kibou e mandarei uma mensagem ao meu pai. Queria agradecer
ao seu mestre mesmo sendo um Fênix Negra... Ele quase acertou. Nós velamos
nossos corpos na água, mas em barcos, nos rios ou no mar. A misericórdia dele
pode ter aliviado a dor do espírito.
– Como se um ritual fosse deixar uma
alma torturada melhor – disse Riko, que foi ignorada. – Acredita mesmo que os Fênix
Negra teriam pena de um aquaeterno?
Ouviram o ator de voz de Kurikara
dizer um palavrão pela primeira vez.
– Cacete, nenhum indivíduo merece
passar por algo assim! Jamais deixaríamos acontecer, mesmo se fosse um
filho-puro!
– Baixa a voz, mentiroso assassino.
– Hoje você está pedindo mesmo para
brigar não é? – rosnou Kurikara.
– Quer tentar?
– Só depois de salvarmos o Iruka.
– Já quer correr?
– Ora, vocês dois! – disse Iruka,
novamente os três como chibis dentro da caverna.
Enquanto Iruka e Inori conversavam
sobre a possível inocência de Kurikara no episódio, no mundo real, viram Riko
tirar as mãos da mesa e sentar-se no chão, olhando-o. Os dois encararam-se e
Kurikara pausou o episódio. Raros eram os momentos que Riko demonstrava
tristeza e ele foi o primeiro a falar:
– Riko, o que houve?
– Agora entendi por que a Aika não
queria que víssemos isso – disse, sem encará-los. – Ela estava certa de que nos
causaria desconforto.
– Mas eu estou tranquilo… hei! –
Kurikara o acotovelou.
– Não precisa se sentir mal pelas
coisas que me dizia! Para vocês eu era o culpado de um crime inadmissível e
todas as provas estavam contra mim.
– Como pode dizer isso? Eu te tratei
pior do que lixo.
– Isso foi há muito tempo! Você já
me pediu desculpas e já fez muito por mim para se redimir…
– Que muito tempo o quê! Isso faz um
ano e pouco talvez… PARA DE ME ACOTOVELAR, DESGRAÇA!
– Riko, se você quiser, eu paro. Mas
acredite em mim, está tudo bem!
– Agora que parece estar chegando ao
final do episódio pela barrinha? Eu queria ver! Poxa, não me olhe assim.
– Deixa para lá. Continue. É melhor
mesmo que eu veja onde foi que errei…
Kurikara não a respondeu, sentindo
que ela estava de fato, envergonhada. Ele não sabia o que esperar; contudo, a
curiosidade o impedia de parar de assistir.
Viram a câmera passar a seguir Riko, caminhando na penumbra de ombros arqueados e punhos cerrados. Aquele desenho mostrou-a de maneira mais sinistra do que antes com seus tons azuis, fazendo os olhos dela saltarem no escuro como um felino a espreita de uma presa. De repente, ouviram a voz de uma senhora acompanhando-a e custaram a perceber que se tratava de mais uma lembrança que começaria; dessa vez, uma lembrança de Riko.
A verdadeira sobressaltou-se a
reconhecer sua senhora, chamada de Obara Tsubaki naquele desenho, sentada sobre
uma cadeira simples, com os cabelos grisalhos presos em um coque e trajando
roupas de inverno. As duas conversavam em segredo enquanto observavam Kurikara
da janela, os olhos escuros da senhora quase fuzilando-o. Ele brincava com
crianças dos Seishins ao lado de Iruka, ambos disfarçados com suas capas e
cercado de soldados da grande senhora de Riko em sua mansão:
– … você tem certeza disso, Pétala
Branca, ou essa viagem está fazendo-a delirar? Não percebo nenhum feitiço
atuando sobre sua mente…
– Minha senhora, sei que parece
loucura, mas… depois do que passamos, envergonho-me em admitir que ele poderia
ter nos matado, fugido com os Fênix Negra mais de uma vez e mesmo assim, não só
continuou conosco como nos defendeu. Talvez ele seja só um idiota que estivesse
no lugar errado na hora errada.
Fizeram uma pausa observando
Kurikara divertindo-se com as crianças, desenhando kanjis no chão coberto de
neve.
– Há uma sombra pesada sobre ele,
uma tristeza que parece devorar sua alma. E seu rosto me lembra uma pessoa… não
gosto disso.
– Minha senhora? – Riko parecia mais
desconfortável do que nunca e coçou a cabeça.
– Então, qual sua teoria?
– Na verdade, é uma teoria do
Príncipe dos Midori-Mizu. Ele acha que Kurikara diz a verdade, de que ele fugiu
para descobrir informações sobre os filhos-puros e sua mãe que ele não conheceu
muito bem. Iruka acha que ele foi emboscado, que outros Fênix Negra tenham
causado aquela destruição e colocaram a culpa nele como uma forma de punição. De
que talvez seja até por isso que Suzaku tenha o escolhido, para que o protegesse…
– Então, os deuses escolhem um Fênix
Negra em perigo e ignoram os impuros como você mesmo quando mais precisariam
deles– Riko apertou os punhos ao ouvir isso e abaixou a cabeça. Tsubaki se
levantou e tomou sua mão. – E você sente pena dele?
A guerreira hesitou antes de falar.
– Ele me perguntou se eu seria capaz
de matar as mulheres e crianças de seu povo. Não soube o que responder. Não sei
até hoje. Acho que… talvez… talvez ele possa até estar certo, de que haja Fênix
Negra que não sejam assassinos…
Tsubaki pôs o dedo em sua boca.
– Mas é claro que há, minha pequena.
Seu ódio nunca lhe permitiu ver isso, porém, é óbvio de que, assim como há
pessoas boas e más, haja impuros bons e maus. Só que isso não os impede de nos ameaçar,
de nos colocar em perigo, de queimar pessoas que não podiam se defender, tais
como você e àquelas que você apreciava.
Riko recuou e sacudiu a cabeça.
– Me perdoe por dizer coisas assim…
– Não há o que perdoar, minha Riko.
Fico até feliz em vê-la sentir empatia por alguém depois de tanto tempo. Mas,
por mais que o lado filho-puro dele fale mais alto, ou por mais inocente que
este garoto seja, ele ainda tem àquelas malditas asas. Ele ainda é mais Fênix
Negra do que filho-puro. E um Fênix Negra com os poderes de um dos deuses
criadores pode gerar ambição em sua raça. Pode até fazer com que eles se sintam
com o direito divino de nos subjugar. É por isso que ele tem que morrer…
Viram a cena enquadrar um pequeno
armário, do qual ao ver a velha abrí-lo, Riko recuou um passo e tapou o nariz.
Os personagens reais sabiam de que se tratava de um armário de poções antes
mesmo da cena mostrar os frascos coloridos.
– Você contou a mais alguém sobre as
marcas que viu nos pulsos dele?
– Não, minha senhora. Mas ele disse
que não se lembra delas. O estranho é que elas não cicatrizam como suas outras
feridas.
– O que significa que foi o seu
coração que as fez – disse, com um sorriso sinistro, fazendo Iruka ter um
calafrio mesmo para um desenho animado. A trilha sonora do flauta aguda ao
fundo contribuía para fazer a personagem parecer uma verdadeira bruxa das
trevas. – Pingue esta poção em uma bebida dele e ele dormirá tão profundamente
que seu coração irá parar uma hora depois. Aproveite as marcas de seus pulsos e
faça parecer que ele tentou um novo suicídio. Certifique-se de contar ao
príncipe sobre elas antes de executá-lo. Ele não irá sofrer e sua alma partirá
sem qualquer tortura. Algo justo para um possível inocente.
Viram Riko arregalar seus olhos ao
segurar o frasco e ranger os dentes.
– Nunca matei um inocente, minha
senhora. Por mais que eu o odeie, por mais que nojento que ele pareça, eu…
– Você consegue, minha criança – disse,
tomando-a para um abraço. A senhora era um palmo mais baixa que Riko e mesmo
assim, parecia maior do que ela – basta se lembrar daquele dia, das vozes, das
asas deles, como lhe ensinei. Use seu ódio como sua arma de vingança. Kurikara
pode não ter matado ninguém, mas como um novo ícone, poderá causar mais
desgraça do que qualquer Fênix Negra vivo jamais causou. Ele tem que morrer,
pelo bem de nosso povo. Não é a ele que você jurou servir?
Ela suspirou antes de falar,
enquanto Tsubaki recuava com um sorriso suave. A música tornou-se mais
agressiva, com toques de tambores que ficavam cada vez mais altos até a hora
que ela ergueu a cabeça e respondeu-a:
– Sim. Eu jurei proteger o meu povo,
e se para isso tiver que matá-lo, eu o farei!
Outro corte seco fez todos piscarem,
sobressaltados, de encontro ao rosto de Riko agora tomado de tons vermelhos
tomando todo o espaço da tela. Seus olhos estavam apertados, não havia música,
somente o som da lareira à sua frente. Outro corte e viram-na sentada sobre uma
cama grande e luxuosa, girando o mesmo frasquinho de sua lembrança em seus
dedos. Riko então o olhou, apertou-o e disse:
– Minha vingança foi parcialmente cumprida. Mestra… me perdoe por ser fraca – e atirou o vidro nas chamas, causando um estampido e erguendo uma fumacinha escura. Enquanto a personagem vestia suas proteções e outra música de fundo tocava, como pancadas contra as paredes, a tela enquadrando a faca que escondia em seu peito, o verdadeiro Iruka esbravejava:
– A sua missão era matar ele desde o
começo? Aquela mulher iria mesmo contra o rei? E ainda podendo arriscar sua
vida se fosse pega?
– Tsubaki só queria proteger nosso
povo – respondeu Riko, com a voz pesada, acompanhando sua cópia em tons quentes
atravessando os corredores escuros do castelo e caminhando até o templo em meio
à tempestade de neve. – E agora, mais um segredo dela caí por terra. Esses
“episódios” são mesmo um perigo.
– Eu não conto a ninguém se vocês
não contarem – disse Kurikara, despreocupado, como quem já esperava. Chegou a
encarar Riko com gentileza por um breve momento, ambos sem dizer nada, mas
outra exclamação de Iruka os distraiu.
– Ah, eu sei o que acontecerá agora.
Eu estava espionando, mas perdi algumas coisas. Agora vou saber o que vocês
dois conversaram nesse dia… Huuuum, foi algo que não poderia ouvir em público?
– Você é tão sem noção assim? –
perguntou Riko.
Kurikara desviou de outro golpe de
Riko em Iruka, mas ele não conseguiu desviar. Ela brigava com ele dizendo que
não tinha nada a esconder, enquanto o verdadeiro Kurikara via no anime uma
porta sendo aberta, mostrando-o acorrentado e dormindo. A câmera enquadrou de
baixo para cima a guerreira fechando a porta e sacando seu facão. Foi quando
tudo escureceu, e viram uma silhueta avermelhada de Kurikara caminhando na
escuridão enquanto ouviam mulheres cantando como se invocassem fantasmas sob o
solo de violino. Era o encerramento e Kurikara teve que avançar para o episódio
seguinte a contragosto, pois gostava daquela música– embora admitisse que
também odiava aqueles cortes. Se aqueles “episódios” só apareciam para as
pessoas uma vez por semana, tal como Aika lhes explicou, as pessoas deviam ter
se roído de ansiedade para saber o que iria acontecer.
Contudo, mesmo
os três sabendo, mesmo com Kurikara pulando a abertura direto para a cena em
questão, a música, os tons avermelhados, a sombra no rosto daquela Riko
desenhada involuntariamente acelerou seus corações, tal como os fãs que, mesmo
após lerem o mangá, ansiavam por saber como aquele momento tinha sido adaptado.
Viram o guardião dormindo, encolhido sobre cobertas improvisadas numa tentativa mal feita de separá-lo do chão gelado. Havia um único candelabro improvisado naquele quarto que mais parecia uma cela. Enquanto Riko fechava a porta, via-se dois guardas e um sacerdote de magia desacordados no chão, caídos com marcas de sufocamento, embora respirassem.
Riko caminhou lentamente, olhando-o sem
emoção. Porém, a música ao fundo tornou-se diferente, notas de um instrumento
de cordas que desconheciam. Era lenta, embora semelhante à música que tocou com
os passos de Riko, como se fosse a mesma entidade antes berrando de raiva e,
agora, hesitando, quase chorando.
Riko caiu de joelhos diante do rosto
de Kurikara. Haviam desenhos de inscrições de magia em volta dele e seu corpo
estava molhado, encolhido de frio, pelos banhos de purificação. A verdadeira
Riko sentiu seu coração acelerar ao recordar-se daquilo sem aquelas cores tão
vermelhas, do corpo dele caído na penumbra, largado como um trapo, em contraste
ao perfume doce nele das ervas de cura. As feridas da luta anterior entre os
dois estavam quase sumindo e apesar de parecer belo enquanto dormia, seja no
desenho quanto em sua memória, não esquecia a dor que seu rosto transparecia.
E à medida que a Riko do anime erguia
o facão, uma série de cortes sobrepujaram-se àquele momento. Cenas de Kurikara falando
com ela desde que se conheceram:
– Por que
você nos odeia tanto? O que fizemos a você?
– Eu sei que
seu povo gosta de cozido de porco assim, então achei que você pudesse gostar…
– Às vezes penso que gostaria de ser tão forte
quanto você!
– Não
entende que nem todos nós queremos lutar?
– Olhe bem
nos meus olhos e me diga se você vê um monstro?! O que eu fiz para você me
tratar assim?
– Eu não
queria estar lá… eu não sei de onde surgiram esses cortes, mas não posso mentir…
não sou o tipo de pessoa que lutaria pela própria vida. Por mais egoísta que
isso possa parecer, agora que sou um Guardião…
– Você quer
exterminar todos nós? Todos? Então, conseguiria matar nossas mulheres e
crianças?
– Eu não sei
o que estou fazendo aqui e não tenho para quem voltar. Mas como Guardião,
talvez possa fazer alguma coisa para melhorar tudo isso…
As mãos de Riko tremiam. Ela não baixava a faca e seu rosto era apenas uma sombra diante do Guardião desacordado. A música agora parecia acelerar-se, como se quisesse acabar logo com isso. Surgiram mais cenas coloridas de Kurikara sorrindo, brincando com crianças disfarçado como um garoto comum, tentando acertar o ponto do fogo para fazer uma comida saborosa para eles… até culminarem nas memórias de dois dias anteriores. Kurikara, possuído, rindo enquanto perseguia a ela e a Iruka para matá-los, tombando de lado como se estivesse bêbado, sibilando enquanto ateava fogo a tudo à sua volta e as pessoas corriam:
– Eu vou matar
esses dois… por que não me deixa matá-los para você? Aquele peixe fedido só
zomba de você, finge ser seu amigo, mas pelas costas deve tratá-lo como lixo!!
E aquela maldita… ela não entende, ela não vê que você é diferente daqueles
desgraçados… me deixa matá-la! Deixa!
Mais um corte direto para o rosto de
Kurikara, encarando-a com a espada erguida, coberto de feridas. Ele quase a
enforcava, tremendo, e ela viu, para além do sorriso doentio, os olhos
arregalados e as lágrimas que caiam. Até gritar “fuja” e cravar a espada contra
sua própria barriga:
– Gasp… Es-esqueça-me… fuja, antes
que ele volte!
Para piorar a confusão dos
verdadeiros Iruka, Riko e Kurikara, estáticos diante da tela, viram a imagem de
Kurikara sorrindo com tristeza para os três e a voz de Tôzen sobre ele:
– …como se o verdadeiro Kurikara
estivesse preso dentro de algum lugar escuro, como um armário, trancado,
ouvindo e sentindo a destruição diante dele por uma fresta, porém, sem poder
pará-la...
O som da faca chocando-se contra o
chão. O rosto de Riko voltado para baixo e um grito seco, quase como um rosnado,
de uma alma rasgando-se, tal como somente aquela dubladora era capaz – e capaz
até de arrepiar os verdadeiros protagonistas daquela história.
– AAAAAAAAAAARH…!!! Eu não consigo! Maldição, eu não consigo… eu não posso… eu não posso matá-lo…!
– Por que não?
Riko ergueu a cabeça, surpresa,
dando-se de encontro com Kurikara sentando-se de joelhos. Os cabelos caiam
sobre os ombros e peito e as asas largavam-se pelo chão, quase sem cor. E os
olhos dele sequer tinham brilho. Riko arregalou os olhos ao encará-los e
gaguejou quando ele tomou as mãos dela, guiando-as com a faca até o pescoço
dele.
–É tão fácil. Talvez nem doa. Mas
tem que cortar tudo, se não vai se regenerar.
–Vo-você enlouqueceu de vez?
– Viu? Você
me odeia. Eu sou um monstro. Mate logo esse monstro e acabe logo com isso.
– Que sinistro – disse Iruka. – Ele
falava assim mesmo, tipo um fantasma? AI!
Um tapa de Riko o fez calar a boca,
mas Kurikara lhe cochichou:
– O que eu
me lembro era de me sentir vazio por dentro. Acho que está bem próximo.
– … Eu… eu não vou fazer isso…
– Por que não?
– Porque eu não posso…
– Eu não vou te odiar. Sei que será
melhor para você e seu povo. Vamos, serei só mais um Fênix Negra que você
matou… – quando a faca penetrou em parte de sua pele e seu sangue começou a
gotejar, Riko gritou e atirou a faca longe.
– NÃO! Eu não vou… EU NÃO POSSO
MATAR UM INOCENTE, NÃO POSSO!
– Inocente?
– Não é isso que você é? Essa merda
de maldição nas suas costas… era a prova que você precisava, eu entendi, eu
acredito em você agora! Essa coisa fez você matar aquelas pessoas enquanto
fugia, então, tira essa cara! Você está livre e…
– Livre… – tocou o corte no pescoço
que começava a se fechar – Eu nunca vou estar livre. Ele me fez matar uma por
uma. Todos eles… todos eles estão gritando na minha cabeça…
– O-o Tôzen falou que essa coisa
cria alucinações! – Riko pareceu um verdadeiro desastre tentando falar – Você é
inocente, está provado! Por que me olha assim? O que há com você? Onde está
aquele idiota que me peitava dizendo que eu era ignorante, preconceituosa, que
nem todos vocês são ruins e o cacete?
Ele a ignorou. Riko socou o chão
rosnando e puxou pelos ombros e o forçou a encará-la:
– Anda, garoto! Grita comigo, diz
alguma coisa! SE DEFENDA! Pare de olhar para o chão como se… como se…
Ele a encarou, mas não havia emoção,
não havia vontade. Até o brilhante símbolo de Suzaku tinha uma cor morta.
– … se estivesse morto por dentro – disse,
soltando-o. – Você nunca tinha matado ninguém…
– Eu menti
para vocês…
– Eu cheguei
aí– ia dizer Iruka, mas foram Riko e Kurikara que gritaram juntos: “fica quieto!”.
–… eu sempre soube que os
filhos-puros eram como nós, um povo que podia ter gente boa ou gente ruim.
Gente boa como minha mãe e gente ruim como os filhos-puros que a mataram… mas
meu pai, que até então vivia longe, ignorando minhas perguntas, mostrou o que
meu povo fazia desde que parte de nós se uniram a Yami-no-Yaku. Eles viram
potencial em mim, queriam-me na frente de batalha, palavra do próprio
Yami-no-Yaku…
– Então, você…
– Quando meu pai me destratou, falou
de minha mãe como se fosse nada, eu entendi o que eu era. O que eu não deveria
ser. Eu desertei e fugi; não me lembro de tudo, mas me lembro de me esconder
entre as pessoas daquela vila. Ela iria ser atacada para que seus recursos
fossem tomados, era um ponto estratégico e fértil. Eu tinha que avisar a eles e
aí…
– Aí, seu povo te traiu – disse
Iruka, surgindo pela porta, a passos tranquilos. Ele tinha um sorriso triste no
rosto. – Nós já imaginávamos isso.
Riko o olhou de canto e Iruka a
olhou de volta. Ele sabia que ela iria tentar matá-lo e se ocultou. Mas a voz
de Kurikara os interrompeu.
– Não foi meu povo. Foi apenas… Yami-no-Yaku
e meu pai, que me prenderam e me amaldiçoaram. Havia Fênix Negra com eles
assustados, sem entender o que iriam fazer comigo. Por isso os que nos
encontraram na dezena[1]
passada estranharam eu estar vivo. Acontece que, quando cheguei à última
pessoa, eu consegui recobrar minhas forças por alguns segundos. Foi aí que fiz
isso – disse, erguendo os pulsos, entre recortes de memórias dele entre os
corpos carbonizados. – Foi quando a Fênix desceu dos céus. Ela disse algo do
qual não me lembro. É ela, até agora, que segura o demônio. E ela que me impede
de desistir de tudo.
– Olha, todos já sabem desse seu
probleminha e até deram um jeito de acalmar o demônio – disse Iruka,
sentando-se ao lado de Riko. – Sei que foi duro, mas não deveria estar feliz porque
agora todos vão acreditar em você? E o melhor é que, Tôzen me disse que quando
você reunir todos os Orbes, irá reunir todos os magos dos filhos-puros para que
juntos, removam a maldição!
Riko foi pega de surpresa com essa e
Iruka lhe deu uma piscadela. Mas Kurikara não reagiu.
– De que adianta isso… de que
adianta convencer vocês…
– Ora, não era o que você queria?
– Você não vai fazer nada? –
perguntou Riko.
– Fazer o quê?
– SE VINGAR, ORAS – gritou. – Quem
fez isso com você tem que pagar com sangue!
– Mas que mulher violenta… – uma
gotinha surgiu na cabeça de Iruka.
– E de que adianta se vingar se eles
não vão voltar? – Riko e Iruka hesitaram. – Nada do que eu fizer vai trazer
eles de volta. Nada do que eu fizer fará com que saibam que não era eu, que eu
não queria fazer aquilo. Que eu… estava gritando para que fugissem, mas minha
voz não saía…
Riko apertou as mãos. Ouviram então
uma vozinha sobre ela, enquanto apertava os olhos, até dar lugar a outra
memória embaçada:
– De que adianta, grande Obara? De
que adianta eu lutar? – disse uma garotinha, ferida e em prantos. – Elas não
vão voltar nunca mais! E eu não pude fazer nada para parar aqueles Fênix Negra
horríveis…
– Mas você está viva – ouviram a voz
de Tsubaki de repente transformasse na voz de Riko. – Mas você está vivo – e
ela ergueu a cabeça, tocando no ombro do Guardião que pareceu reagir ao toque
dela. Pela primeira vez, tocando-o sem querer feri-lo. – Você sobreviveu àquela
merda toda. Eles não puderam te matar e você tem que se vingar.
– Por quê?
– Porque só assim você fará algo
pelas memórias deles… ou almas, se preferir! Alguém está usando você para fazer
o que bem entende e não pode continuar assim. Vai querer morrer e encarar
aquelas pessoas do outro lado sem nem ao menos ter lutado por eles?
– Eu… eu tentei lutar…
– ENTÃO LUTE DE NOVO! – rosnou,
sacudindo-o. – VOCÊ DEVE ISSO A ELES! Você não disse que vivia vendo o fantasma
de uma mulher? Olha aí a prova!
– Ainda a vejo, mas não é ela… ainda
não lembro o nome dela, mas essa imagem é a maldição. Ela aparece para me
torturar. Está atrás de você agora, rindo, porque sabe que não conseguirei me
matar por causa dos poderes divinos…
– Mas que merda, até isso você
ganhou para ter uma segunda chance! Não entende? Não pode desistir agora!
Vendo o rosto de Kurikara mostrar
alguma mudança, foi a vez de Iruka falar:
– Você tem nosso apoio, Kurikara.
Podemos não ser lá, bons aliados, mas pode contar conosco. Eu sei que dói, que
essa coisa faz você rever as mortes de quem lhe era especial… e essa dor vai
seguir você por muito tempo, mas Riko está certa. Até os deuses confiaram em
você! Não foi por acaso que foi escolhido! Suzaku sabia que precisava de ajuda!
– Por que vocês querem me ajudar?
– Olha, na verdade, nós não temos
muita escolha! – Iruka gargalhou, vendo que sua risada não fez efeito, até
parar no vácuo. – Enfim… Vamos lá, você conseguiu convencer até o poço de ódio
do grupo… AI!
Riko o socou e abaixou a cabeça, com
as mãos nos joelhos. Olhou de lado, evitando encará-los.
– Eu errei. Eu condenei um inocente,
te tratei como lixo… ajudá-lo em sua vingança é o mínimo que eu posso fazer…
depois de todo o mal que eu lhe causei.
– Não podem fazer isso. A maldição
fala comigo. Está falando agora... – Kurikara tentou tapar seus ouvidos em vão,
numa reação instintiva, no qual os espectadores só puderam ouvir uma risada
fina por baixo. Os verdadeiros Riko e Iruka se encolheram ao ouvir a “voz da
maldição” pela primeira vez. – Ele quer que eu mate vocês! Ele quer me torturar
tirando suas vidas… mesmo que eu lute, se ele conseguir vencer, não sei se
poderei protegê-los…
– AH, DEIXA ESSA MERDA TENTAR QUE EU…
– Iruka segurou o punho de Riko no ar e balançou a cabeça, como um irmão
cansado da irmã caçula que só trazia problemas.
– Nós daremos um jeito. Riko conhece
seus pontos fracos e eu, tendo água por perto, basta congelar seu corpo como
fiz da última vez. E Tôzen prometeu que irá treiná-lo para enfrentar isso. Ouvindo
sua história, agora entendo um pouco como se sente, eu também não me dou bem com
meu pai… então, por favor, não desista. Pense também nas pessoas que precisam
dos Orbes, mas, principalmente, pense que você não merece morrer assim. Depois
de tudo que você fez, falou, seu sonho de ver as nossas raças em paz… o que
será desse sonho se você se matar? Vamos, você tem ainda muita coisa para
fazer! Não era você que queria conhecer as terras e magias do meu povo, que
queria ver um dragão de verdade?
Kurikara tremeu e suas asas se
agitaram. Ele se encolheu, abraçou o próprio corpo e as primeiras lágrimas
brilharam em seus olhos.
– Escuta… eu… – Riko tentou falar,
apesar do nítido desconforto. – Eu sei como é ficar preso em algum lugar sem
poder lutar.
Kurikara ergueu a cabeça,
encarando-a. Uma música de violino começou a tocar e foi aumentando, como um
choro baixo. Mas quando Riko continuou a falar, pareceu aos espectadores que
uma criança estava sendo ninada, acalmada.
– Eu sei como é… querer quem amamos
de volta, querer que essa dor passe e lembrar do mundo acabando à sua volta
toda vez que tenta dormir. Mas o gosto da vingança ajuda muito a cicatrizar
essa ferida! Mais do que isso, tentar continuar, pelo que fizeram por você é
melhor do que ficar parado. Eu errei feio com você, então… deixe-me tentar
acertar as coisas. Comecei a lutar para proteger pessoas inocentes. Não vou
conseguir dormir sabendo que deixei… deixei outro morrer sem conseguir fazer
nada por ele.
Kurikara piscou para ela. Olharam-se
olhos nos olhos por um instante, enquanto violino e o piano se sobressaiam,
mostrando certo fôlego, mostrando esperança– pelo menos, até Iruka cortou
drasticamente o momento:
– Que fofo! Nunca ia imaginar algo
legal saindo da boca dela – um nervinho apareceu na testa de Riko. – Desse
jeito dá até para acreditar que estamos virando amigos…
– SEU IDIOTA!!!
Enquanto os chibis de Iruka e Riko
brigavam numa nuvem falsa de fumaça, o Kurikara do desenho abaixou a cabeça,
sorriu com tristeza e ouviram sua voz pensando:
– Obrigado, Suzaku… – suas mãos
ainda tremiam, então, ele ergueu a cabeça e as asas, fazendo os dois chibis
pararem de brigar. A imagem que já sabiam ser de Sayuri surgiu atrás dos dois,
sem sorrir, agora enfurecida. Kurikara o encarou de volta, agora de cabeça
erguida. Não havia nele o mesmo brilho no olhar como antes, mas o anime fez
questão de mostrar chamas neles. Porque agora, ele tinha em quem confiar.
Aqueles dois acreditaram nele e queriam vê-lo vivo. Isso trouxe a ele um pouco
de fôlego.
– Obrigado, pessoal. Ainda não me
recordo de tudo e tenho muitas perguntas… mas vou lutar… vou continuar mesmo me
sentindo assim e vou vingar as almas daquelas pessoas!
– É assim que se fala! – berrou
Iruka, dando-lhe um tapa no ombro. – Pode contar conosco! E se essa coisa te
perturbar ou se sentir triste, não hesite em nos avisar.
– Até para nosso próprio bem.
– Não nesse sentido, mulher! Enfim, Tôzen
disse que as maldições ficam mais fortes quando a vítima está triste ou
sofrendo. Que aqueles seus lapsos esquisitos podiam ser ela tentando tomar
conta de você! Então, para evitarmos que ela te perturbe, temos que te animar! E
caso sinta-se mal como você se sentia, acordando com pesadelos, pode me chamar!
Eu não posso mais te levar para beber, porém, podemos jogar conversa fora,
meditar ou orar alguma reza juntos…
– Eu agradeço, príncipe.
– Já disse que pode me chamar de
Iruka!
– Certo, Iruka! – e sorriu, pela
primeira vez em todo o episódio por alguns segundos. – Até que isso faz
sentido… as vozes que eu ouvia, os sonhos… eles pioravam quando eu não me
sentia feliz…
– É, mas agora, você tem a nós para
recorrer! Certo, Riko?
– … conte comigo também… – gaguejou
Riko, com as bochechas tingidas de vermelho enquanto olhava ora para ele, ora
para as paredes e jogava a franja para trás da orelha. – Ora, essa! Quando me
sentia infeliz, eu não saía para conversar ou beber! Eu ia treinar! – socou os
punhos, sendo que o anime aumentou sua força fazendo o ar se agitar. – Socar
sacos de areia, chutar bundas, quebrar alguns instrumentos e suar um pouco eram
ótimos para descarregar meu ódio!
– Isso ajuda mesmo? – perguntou
Kurikara.
– Olha, honestamente, eu sou contra
esse tipo de método violento…
– FICA
QUIETO, CARA DE PEIXE!
– Eu não me lembro dessa fala aí de chutar bundas – disse Iruka.
– Nem eu – disse Kurikara.
– Não falei, mas é bem uma verdade.
Socar sacos de areia e até chutar traseiros inconvenientes é muito bom para
acalmar os ânimos. Vocês deviam tentar!
– Eu passo – disse Iruka.– Prefiro
sair com meus amigos ou só ver a natureza para me aliviar!
– Quando meditar não funcionar eu
experimento suas ideias… mas o que eu me lembro é que logo depois que vocês
diziam que eu podia contar com vocês, o mestre Tôzen apareceu e…
Mal Kurikara terminou sua fala e o
personagem surgiu, apontando para seus servos caídos. Iruka apontou para Riko
na hora e Kurikara, temendo que ela fosse punida, disse que não era culpa dela.
Tôzen esfregou as têmporas e suspirou, dizendo que iria fingir que não viu
aquilo e que era hora dele começar um novo treinamento.
– Isso é que eu não gosto! –
reclamou o príncipe, cruzando os braços. – Esses cortes, os “chibis”…
– Pelo menos vocês não têm seus
peitos inchados! Eu nunca vou perdoar esses desenhistas por me alterarem desse
jeito!
– Bom, eu e Kurikara não temos o que
crescer… mentira, até temos, mas deixa para lá…! O que eu mais desgosto é esse
humor forçado, essas reações exageradas! Para que isso? Porque os nossos “fãs”
gostam dessas coisas?!
– Mas é quase o que você faz quando
as coisas estão sérias demais – disse Kurikara e Riko concordou. Viram-no
fechar a cara.
– ORAS, mas até eu sei o limite do
momento!
– Eu gostei – disse Kurikara,
sorrindo. – Ficou bom, tudo quase idêntico. Nesse dia eu estava péssimo, mas as
palavras de vocês me ajudaram muito. Tem vezes que eu me esqueço delas e
preciso me recordar…
O som de palmas lentas fez os três arregalarem os olhos e olharem para a cozinha. Estavam tão distraídos que nem viram Aika entrando e fechando a porta, muito menos Tsubomi correndo como gatinha até seus pés, bocejando depois de uma longa soneca. Pelo anime, ouviram Tôzen começava a explicar a Kurikara como a maldição funcionava. Na vida real, viram Aika terminar as palmas e colocar as mãos na cintura:
– Bonito, hein? Que bonito…
– Ai, merda! – disse Iruka. – Não
devíamos tê-la ensinado a ser mais sorrateira…
– MUITO BONITO! Eu saio por menos de
duas horinhas para fazer uma janta legal para nós, ao invés de mais carne velha
e salgada, e encontro os três olhando minha “caixa mágica de informações” sem a
minha permissão e ainda vendo o anime que eu disse que não seria legal vocês
assistirem!
Tsubomi ignorou-a e pulou nas
sacolas no chão, procurando algo para beliscar. Iruka imediatamente apontou
para Riko.
– A ideia foi dela!
– O QUÊ?
– A sugestão veio deles. Eu sou
inocente – Kurikara ergueu as mãos tentando não rir, assim como a própria Aika,
que tentava ficar séria.
– Ora, essa! Não se exima de sua
parte na culpa – exclamou Riko, dando-lhe um tapa na asa coberta.
– É! – gritou Iruka. – Foi você que
disse que achava que sabia mexer nesse troço de tanto ver a Aika usando!
– ESPERA! – exclamou Riko, pondo-se
de pé. – Nós não somos crianças e nem você nossa… ORAS, nós temos todo o
direito de ver como seu povo nos retrata! Sempre discordei de seu discursinho
de que não queria expor nossas memórias e…
– E vocês caíram justamente no episódio
que mostra as reais intenções da Tsubaki, além de seus próprios sentimentos. Os
seus e de todo mundo! – disse Aika, cruzando os braços e fazendo Riko hesitar. –
Oras, digo eu! Queria protegê-los!
– Aika, está tudo bem – tentou dizer
Kurikara.
– Está tudo bem agora, que vocês não
estão ouvindo a ceninha que o Kuri não viu, onde Riko confessa ao Iruka seu “planinho”
para depois de matar o primeiro Fênix Negra inocente que conheceu…
Viram Riko e Iruka conversando em
segredo no anime, em um canto:
– Você ia matá-lo sem fazer parecer
um acidente… isso colocaria sua cabeça a prêmio, Pétala Branca. Por que faria
isso?
– Porque nunca me pegariam viva
depois de matá-lo – ignorou o espanto de Iruka, que logo se transformou num
suspiro.
– Por Kujira, dois colegas com tendências
suicidas! Vou ter muito trabalho pela frente… Aí!
– Vai ter nada! Eu já mudei meus
planos – e sua voz seu lugar a seu pensamento, a câmera dando um zoom in em seu
rosto determinado. – Me perdoe, Tsubaki, pessoal… não vou mais matá-lo.
Kurikara, a partir de hoje, irei protegê-lo até cumprir sua vingança… como você
me ajudou na minha. Irei proteger a pessoa que eu descobri que você é hoje… –
por fim, viram Kurikara treinando seus poderes com Tôzen. O início da música de
encerramento não foi capaz de ocultar o berro do verdadeiro Iruka:
– EU NÃO TÔ ACREDITANDO QUE VOCÊ
PENSOU ISSO NAQUELE DIA??? NÃO CREEEEEIOOOOOOO!
O constrangimento que tomou o rosto
de Riko fez Aika rir de forma maligna, porém contida:
– Eu avisei!
– Você iria se matar depois de me
matar? – perguntou Kurikara, de olhos arregalados.
– Eu… eu não ia conseguir viver…
sabendo que tinha ferido um inocente… MAS EU ESTAVA COM MUITA RAIVA NESSE DIA!
Hoje eu não faria outro plano assim, oras! – e cruzou os braços.
– Riko…
Sentindo um inédito momento de
ciúme, Aika meteu-se na frente de Kurikara e desligou o computador no botão.
Teve que se esforçar para que não percebessem:
– Então, tá aprendida a lição?
Entenderam porque eu insisti tanto em mostrar só coisas muito importantes, só
cenas de vilões e não a série na íntegra?
– Sim, mamãe…– caçoou Iruka, que
levou um tapa no ombro de Aika.
– Desculpe, Aika – pediu Kurikara,
com um cruel semblante inocente para a jovem. – Não devia ter feito isso…
– QUE MERDA! – exclamou, antes que fosse
abalada por ele outra vez. – Hei, Tsubomi, não mexe aí! Oh céus, deixei as
bolsas sozinhas com um dragão-gato-faminto! Vou fazer a janta correndo antes
que o portal se feche e o pessoal da comitiva perceba que fugimos. Embora vocês
não mereçam…
– Ah, por favor! – pediu Iruka. – Eu
amo aquele seu tal de “ya…yakizora” que se fala?
– Yakisoba… – e vendo a culpa em
seus rostos, Aika riu. – Misericórdia, falei que nem minha mãe quando me pegava
no flagra vendo animes impróprios… Deixa para lá! Até porque temos menos de uma
semana juntos de acordo com o portal.
– É verdade – disse Riko, deixando
os ombros caírem tal como Iruka e Kurikara.
– Riko, você ainda pretende me
ensinar a andar a cavalo amanhã? – perguntou Aika.
– Claro! Estou te devendo isso –
disse, com um sorriso.
– E quero treinar mais um pouco
daquele tal de “surfe” contigo! – exclamou Iruka.
– Deixe que ajudo com a janta –
disse Kurikara, acendendo o fogão com o conhecimento que tinha herdado dela,
enquanto ela oferecia a Tsubomi um pratinho de carne.
– Você errou
feio, errou rude! – ouviu-a, através de seus poderes, ao mesmo
tempo em que separava os ingredientes. – Tem episódios que seriam para eles
o que é para você uma tortura da maldição!
– Como assim?
– Episódios
inteiros mostrando seus principais traumas. E animado é pior do que em mangá. O
que mostra o passado da Riko então… fez mal a mim e a muitas meninas em
particular, causando até pesadelos!
O olhar duro de Aika calou-o de
qualquer resposta. Abaixou as asas cobertas, sentindo-se irresponsável, como
não tinha pensado nisso? Riko e Iruka não mereciam passar por isso. O suspiro
cansado de Aika despertou-o de seus devaneios, enquanto ela colocava os legumes
para dourar e ligava a frigideira para fritar os pedaços de carne.
– Esquece. Quero curtir vocês ao
máximo antes do portal se fechar. E acho que, depois de amanhã, vamos passar
justamente pelo vale da Sayuri…
– Tudo bem.
Eu tenho os melhores amigos comigo para enfrentar isso…
– Ah, se
fofura matasse… Anda, rala peito daqui que a cozinha é
minha! Sentem-se e esperem pela janta como as boas crianças que vocês não são!
Aika riu com eles e distraiu-se, sem
perceber o sorriso luminoso que Kurikara exibia para eles, feliz por tê-los consigo…
[1] Em Gattai, a população separa os dias em “dezenas”, ciclos de dez dias, equivalente à nossa “semana”. Um mês para eles dura três dezenas, fazendo com o que o calendário seja quase igual ao da Terra. A diferença é que, esses dez dias são uma média entre as fases das duas luas que eles conhecem, as “Irmãs”, onde normalmente a “Mais velha” muda de fase dois dias antes da “Mais nova”.
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